As amizades tão cansadas de saber que esse pobre escriba e mambembe historiador é chegado a uma fofoca. E quanto mais cabeluda, melhor. Pois bem. Tava aqui estudando pra escrever um artigo quando me deparo com um bafafá daqueles de deixar careca de cabelo em pé. +
O babado envolve a mais famosa e desejada meretriz da época, politicos famosissimos, gente da mais alta sociedade, um renomado capoeirista e o chefe da polícia que se tornou o maior perseguidor de capoeiras do periodo. Segue o fio: +
Na segunda metade dos anos 70 do século XIX desembarcou, no Rio de Janeiro, Suzanne Casterá. Suzanne foi uma "cocotte", uma cortesã francesa que pintou e bordou no Rio e causou alvoroço na sociedade carioca entre o final do século XIX e início do século XX. +
Suzanne se apresentava como atriz e cantora no teatro Alcazar Lírico - ponto de encontro "habitué" para a boêmia da Corte dos anos finais do Império -, na rua Uruguaiana, coração da cidade. +
Nossa impetuosa messalina movimentava os folhetins, consumidos vorazmente pelas meninas "de família", com fugazes romances com todo tipo de celebridades e políticos da época, dentre eles José Maria da Silva Paranhos Junior - o Juca Paranhos -, futuro Barão do Rio Branco +
Joaquim Nabuco, José do Patrocínio e um tal Juca Reis. Mas quem foi Juca Reis? +
José Elysio dos Reis, conhecido na roda da malandragem como Juca Reis, era filho do Visconde de São Salvador de Matosinhos - comendador João José dos Reis, o mais rico português do Rio de Janeiro e dono do jornal "O Paíz". +
Mas Juca Reis era mais conhecido por ser um "Marialva". "Marialvas" eram os "malandros ricos" que frequentavam o "Bas Fond" - as espeluncas da redondeza - e se envolviam com a marginalidade urbana, jogo, crimes, prostituição e eram... +
...capoeiras. A rigor, Juca Reis era um playboy capoeirista. E ele era um exímio capoeirista. +
Em Março de 1877, Juca Reis, numa tremenda crise de ciúmes, esperou terminar uma das inúmeras apresentações de Suzanne no Alcazar Lírico e a surpreende dando inúmeras chicotadas na bunda e só não foi pior porque foi flagrado pelos trabalhadores do teatro. +
Juca foi processado por Suzanne e foi preso. Mas logo foi solto devido ao prestígio da sua família e da amizade do seu pai com políticos influentes. +
A lista de confusões que o "Marialva" Juca Reis se metia era extensa. Em outro episódio se envolveu numa refrega das brabas com oficiais da marinha Argentina quando esses se divertiam e sorviam etílicos num frege no centro do Rio. +
Os relatos dão conta que todo mundo que participou das cenas de pugilato foi preso. Juca Reis novamente foi solto devido à influência política de seu pai e da condição social e econômica que tinha. +
Depois de se envolver em tantos forrobodós e distribuir catilipapos a torto e a direito pela cidade do Rio, Juca Reis retorna a Portugal. E lá permanece até que seu pai canta pra subir e Juca precisa voltar ao Brasil para fazer o inventário. +
E é aí que a vaca começa a ai pro brejo pro nosso nada adorável playboy capoeirista. Aqui faremos uma pequena digressão. +
Joao Batista de Sampaio Ferraz, nascido em Campinas, se formou na Faculdade de Direito em 1878 e atuou como promotor publico na cidade do Rio entre os anos de 1884 e 1889. Desde essa época ele perseguia os grupos sociais marginalizados, dentre eles os capoeiras. +
Proclamada a República, Deodoro da Fonseca, já sabendo das incursões de Sampaio Ferraz para prender os capoeiras, o convida para ser o primeiro chefe de policia da cidade do Rio de Janeiro. +
Para aceitar o convite feito por Deodoro, Sampaio Ferraz impoe somente uma condição: ter "carta branca", poder ilimitado pra utilizar todo e qualquer método de repressão, para prender quem quisesse não importando origem do réu. +
E assim, Sampaio Ferraz - conhecido também como "Cavanhque de aço" - é nomeado como o primeiro chefe de policia do Rio e começa uma implacável perseguição aos capoeiras. +
Sampaio Ferraz reuniu uma equipe de 3 capoeiras conhecidos seus de tempos idos para catalogar todos os nomes dos capoeiristas da cidade. Depois de um mês, todos o estavam na lista do chefe da polícia. E todos foram presos. Com uma única exceção. Retomamos o ponto do fio. +
Nesse contexto e sem saber dessa efervescência política que rondava o Brasil, Juca Reis desembarca no Rio. Mal pisa em solo carioca e teve logo voz de prisão devidamente recebida. +
Dessa vez Juca não seria solto como em outras ocasiões. Mas não significa que não teve tentativa para isso. Como dito anteriormente, seu pai tinha muito prestigio e influência política. Um de seus protegidos era Quintino Bocaiuva, que em 1890 era Ministro de relações exteriores +
Quintino pediu, suplicou, fez drama e o escambau para Deodoro comover Sampaio Ferraz a soltar o "Marialva". Até a viúva de véu preto e todos os penduricalhos possíveis tentou amolecer o coração do chefe da polícia. Nada feito. +
Sampaio Ferraz bateu o pé e não cedeu. Juca Reis então foi enviado para cumprir sua pena na ilha de Fernando de Noronha. Quintino Bocaiuva entregou o cargo de Ministro e Sampaio continuou sua perseguição implacável. +
A primeira crise ministerial da história da República foi provocada pela prisão de um playboy capoeirista com pistolão no governo que ganhava a vida no submundo do crime e era amante da mais famosa e desejada meretriz da época. +
Não se teve mais notícias ou relatos sobre Juca Reis. Sampaio Ferraz tornou-se deputado. Quintino Bocaiuva virou nome de bairro e a nossa impetuosa messalina Suzanne Casterá morreu idosa e dona de inúmeras "casas de amores urgentes" na rua do Catete. Fim do fio e da fofoca.